As vezes a atitude mais inteligente que se pode tomar, é se render à loucura.
Ele era o tipo de funcionário que toda empresa quer ter. Aquele sem ambição, que não sabe dizer não, extremamente acomodado, e com um medo pavoroso de perder o emprego, pois o emprego era tudo que ele tinha, juro.
Esses dias observei a preocupação dele ao saber que teria que descansar em férias. A preocupação dele em deixar exatamente tudo em ordem, chegou a me irritar.
Ele dizia: -“Esta tudo aqui!” Me entregando a papelada. -“Já falei com o cliente 1,2 e 3, com todos os departamentos envolvidos, já falei com o chefe também. Qualquer coisa pode me ligar.”
Ele repetia freneticamente essa frase “qualquer coisa pode me ligar”.
Tinhas que ver o tamanho do carinho dele com aquela papelada toda. Parecia que estava deixando um filho recém-nascido pra eu - uma estranha - cuidar, enquanto ele trabalhava. Quase rolou uma despedida emocionante com os papéis, juro. Com os e-mails então? Vishe, me deu até tua senha.
Incrível como este homem é responsável com teu trabalho, responsável e doente. Cheguei a ter um pouco de dó dele, pelo apego que tinha ao trabalho. Foram 5 dias de “férias”, de quarta-feira, até domingo, mas parecia que ele jamais voltaria a trabalhar, parecia que ele ia morrer ou qualquer coisa do tipo. Incrível.
No primeiro dia me ligou cedo, e disse: - “Oii, estou ligando apenas para saber se está tudo bem. Iae está tudo bem por aí??” Esboçou extrema preocupação com a voz, o que me deu vontade de rir, pois, se quer tinha dado tempo para algum problema surgir...rs
-“Está sim. Tudo na mais perfeita ordem.” Respondi feliz.
-“Ok, qualquer coisa pode me ligar” Ele repetia essa frase mecanicamente.
-“Estou com minha família, anota outro n° pra me ligar”
Anotei o número e desliguei.
E assim foi todos os 5 longos dias de tuas férias. Ele ligava cedo pra saber das coisas por aqui, e no decorrer do dia também.
Na sexta-feira, me ligou pedindo para eu ir trabalhar no sábado, disse que só não iria por estar muito longe, quase suplicou. Eu me enfureci, mas concordei.
Finalmente a segunda-feira chegou, e lá estava ele, ás 07:00hs da manhã, mergulhando naquela papelada como quem mata uma saudade dolorosa. Cuidando de todos os clientes como se fossem teus filhos. Lendo e-mails e me questionando 1 por 1, embora eu já tinha respondido todos. Atendendo telefone e celular ao mesmo tempo, um em cada orelha.
Não foi engraçado.
Naquela segunda-feira eu percebi que o trabalho era tudo que aquele homem tinha, se perdesse o emprego, acho que enlouqueceria, mesmo já sendo louco. A vida dele não é o trabalho, mas o trabalho é sua vida. Era como se ele dependesse do trabalho para sentir-se útil, sentir-se vivo, humano. Não sei, acho que era oxigênio para ele. Agora eu pergunto: Será que este homem teve a mesma preocupação ao viajar com tua família? Cuidar de teus filhos, assim como cuida dos clientes, admirar da tua mulher assim como admira a papelada? “Preparar” a família para quando ele tirar “férias” da vida? Se é que me entende... Será que ele protege e briga por horas a mais com a família?
Esta tudo errado!!!
Não é assim que funciona. O trabalho tomou o lugar das únicas coisas que realmente valem na vida, o dinheiro cega o homem, a carga horária (12 horas) escraviza, o consumismo aliena, o comodismo corrói, as “férias com a família” incomodam. Que tipo de mundo é esse? Que tipo de vida é essa? O que é “ser feliz”?? Onde estão as coisas simples da vida? =/
Não quero essa vida pra mim. Alguém me tire daqui. Estou prestes a enlouquecer ao tomar a consciência que meu futuro é servir de mão-de-obra barata, em um mundo cada vez menos propício a pessoas sensíveis e problemáticas como eu. Não quero mais um minuto aqui neste escritório, quero ir pra casa. Quero cuidar da minha família, pois, não sei que dia vou sair de “férias” da vida. Não quero trabalhar 12 horas do meu dia de 24 horas, só porque felicidade é acumulação de bens. Quantos anos de trabalho num regime destes são necessários para alcançar a tão sonhada “felicidade”? Que se resume em casa própria, carro, e estabilidade financeira, dinheiro, dinheiro, dinheiro. Hoje em dia quem não tem esse kit felicidade não é considerado uma pessoa feliz, pois, segundo a sociedade, essa pessoa não consegui nada na vida. Será mesmo?
Maldito neo-liberalismo, maldito sistema!!
Eles me desceram esse kit felicidade guela abaixo, eu faço de tudo pra vomitar, por pra fora, mas meus músculos não reagem. E nem meu próprio destino eu fui capaz de escolher, as regras sobre minha própria vida, foram ditadas antes se quer deu nascer. Não me acho uma pessoa feliz, e não serei feliz com acumulação de bens. Eu quero liberdade, minha alma clama por isso, suplica liberdade. Liberdade de escolha sobre o próprio destino, liberdade em todos os sentidos.
Alguém por favor, me tire daqui? Este não é meu lugar.
=/
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